Tecido e Bordado
Esta articulação de palavras quer se colocar como um colírio para os olhos dos leitores. Colírio descamativo, abaixo as escamas de nossos olhos. Assim poderemos enxergar as flores. E perceber que novas flores irão fenecer à falta de raiz. Talvez se perceba onde elas jazem. A pretensão foi de fabricar vagões sabendo que outros os colocarão nos trilhos. Caso o leitor ache que vale a pena, passe o artigo a outros leitores, ele é FREE. OBRIGADO.
TECIDO e BORDADO
Osmar de Souza Araújo
MÉDICO – PROFESSOR DE PSICOLOGIA
Cenas
Uma mulher loira no aeroporto de Frankfurt dirige um grupo de mulheres, rapazes e crianças, todos igualmente loiros e de alemão fluente e castiço, após terem passado pela imigração com seus passaportes alemães, ela nota um brasileiro em dificuldades de idioma na imigração, se aproxima fala com ele em bom português, ajuda-o na passagem pela mesma, em fazendo isso ela é perguntada se é brasileira. Ela é, e de primeira geração, de imigrantes alemães no Sul. A pergunta feita pelo agente de imigração pareceu ser mero formalismo, pois ato imediato à resposta já outros agentes dividiam o grupo por sexo em salas separadas, todos postos nus e interrogados. Suas bagagens reviradas, tendo eles que justificar tudo que portavam. Como única explicação para tudo ela obteve apenas a de que eram brasileiros e não haviam se declarado como tal.
Roma, um brasileiro com fenótipo e todos os jeitos e modos de carcamano do sul da Itália vai parar nas delegacias cinco vezes num só dia para verificação de passaporte. Por essa mesma época um ex-prefeito de São Paulo declara na TV, “somos europeus.” O somos era para nós brasileiros?
Na Noruega durante um congresso de sociologia forma-se uma roda de bate papo e cerveja com sociólogos de várias nacionalidades. Um dos brasileiros vai se alinhando com seus colegas escandinavos, ate o momento que um destes diz : espêra ai, você não é branco. O destinatário da frase fica passado, sem ação e indignado, afinal ele é filho, neto e bisneto de italianos por todos os seus lados.
Em todos esses casos está em jogo o quem somos Nós e o como nos representamos. Qual a base de igualdade que permite e autoriza o Nós, o comum, e sobre qual e somente e necessariamente sobrevêm as diferenças. E acentuemos, sem o que é igual, comum, as diferenças não existiriam.
Quanto ao como nos colocamos enquanto representação de nós mesmos somos constantemente acossados por possibilidades do real, como nas cenas acima relatadas.Meio assim, “tomei o maior susto, achava que eu era uma coisa, era outra”, tipo nosso ministro que parece branco, cristão e ocidental; bom tá certo que talvez ele não seja cristão, mas então, por isso mesmo, no caso, seria mais um motivo para não ser tratado de forma humilhante e antiprotocolar.
No parágrafo acima está referido o fato do ministro das relações exteriores do Brasil ter sido obrigado a tirar os sapatos como condição de entrada nos Estados Unidos da América; esse episodio poderia trazer à discussão as falsas representações que por ventura portemos como sendo a consciência de nós mesmos e de cada um de nós. Decididamente o ministro não deveria ser tratado como um africano, ou um árabe, ou palestino, ou paquistanês, ele não é representante de nada disso, a ele, portanto a nós, não cabe a humilhação destinada a outros. Provavelmente ele é de origem de famílias da Europa do leste, e é aqui que se situa um outro busilis da questão. Aqueles que habitam a Europa do leste não são vistos exatamente como europeus. Claro, cabe a pergunta, não são vistos por quem ?
Vou caminhar por analogia, papeis financeiros, títulos, cartas de credito, etc. necessitam de ter certificação e esta de um reconhecimento, para circular com credibilidade e confiança no mercado. Em geral, a certificação e o reconhecimento de papéis financeiros vålidos são feitos em Londres. Papéis certificados pelo Banco de la Nacion (Argentina) tem a aceitação e a credibilidade do faz-me-rir, tipo milhagem da Vasp. Os centro-europeus, assim como nós, podem se titular, se intitular como o que entenderem ou desejarem, mas norte-americanos, escandinavos, franceses, ingleses, irlandeses e outros, não irão certificar ou reconhecer. No nosso caso, se nos arrogarmos a perguntar por que eles se negam a reconhecer a nossa identidade, partindo da mesma talvez neguem a representação.
Assim podem argumentar que eles já reconhecem que índio é humano, nós permanecemos dizendo que não. Enquanto os índios tratam todos os outros membros da sociedade brasileira como “os brancos”, esses cantam carnavalescamente :”antes que o homem aqui chegasse, todo dia era dia de índio” – o homem veio de fora, índio não é homem – e fazem isso sem perceber a negação da humanidade dos índios. Mais, realmente europeus aqui aportaram misturando-se aos índios, produzindo os mamelucos; e que se formos ao Uruguai, lá numa placa está gravado que aquele forte é um marco da luta contra os “mamelucos paulistas”. Ora, estes mesmos mamelucos, sob o nome de bandeirantes, são os grandes responsáveis pelo o que o Brasil é, no mínimo em território.
Seguiriam dizendo que sobre esta primeira composição populacional, índios-mamelucos-europeus, à colônia foram somados africanos. A presença de negros ou negroides na América é anterior aos índios, sendo que há indícios de algum transito entre a África e a América após a chegada dos índios. Por outro turno a península ibérica, de inicio a principal fornecedora de genes para a América colonizada, tem permanecido a poucos quilômetros da África e foi ocupada por islâmicos durante séculos.
Um dos resultados desta dinâmica foi que num dado momento havia mais negros que a soma de índios, mestiços e espanhóis em Buenos Aires- hoje Argentina. É curioso que para a América espanhola as populações lá nascidas, mas descendentes puros de europeus, eram denominadas de crioulos.Aqui no Brasil onde a colonização resulta em uma população de mulatos, mamelucos, cafuzos e geléia geral, a palavra crioulo é entendida e usada para designar o negro da costa, o africano; o índio era conhecido como negro da terra. Hoje esta tudo misturado e a linguagem do cotidiano o diz bem : “passou de seis horas é noite”, há a generalização da criolada, indiferente à classes sociais.
Trariam que nós procuramos passar ao largo da lei do 1/8. Essa lei que dita que só pode ser considerado branco quem tem menos de 1/8 de sangue não branco. Sobre isso o jornal Folha de São Paulo noticiava, trazendo a fotografia de uma loira- dessas que tem pelos axilares finos e ruivos, não era sarará, estas com pelos grossos encaracolados e pretos- noticiava que a mesma ganhara judicialmente a declaração de branquitude, baseada na lei do 1/8. O que, negando os sambistas do lá-rá-rá-ra do “negro que já foi escravo” , aponta, indicia que na escravidão da plantation, o ”branco” também foi escravo, assim como negros foram traficantes e senhores de escravos de todas as cores e origens.( ver fotos em Dennis,Denise-Black History)
Creio que a hipótese da representação que fazemos de nós mesmos ser falsa, esta bem fundada na biologia, na historia, e nos fatos; na verdade tangencia o absurdo, como dizer que gato que vai ao forno não vira gato assado. Além disso, essa representação põe fora árabes, japoneses, chineses e outros como brasileiros. Conheço um caso trágico e irônico nessa questão. Um brasileiro foi para o Japão trabalhar, lá entrou em depressão melancólica, entre outros fatos porque no Brasil ele era japonês, no Japão lhe negavam o titulo e o tratamento de japonês, terminou por se matar.
Poderíamos argumentar que falamos uma língua européia, sem duvida eles usariam um contra-argumento que dificilmente poderíamos rejeitar. Em tese defendida no Sul e comentada com a autora no programa Ferreira Neto, foram relatadas e expostas características do português falado no Brasil. Quando após os prolegomenos chegou-se a que a harmonia e melodia do português brasileiro são africanos, o entrevistador achou que estava lançando um neologismo. A pesquisadora confirmou o neologismo , dizendo que já tratava a língua daqui como “pretugues”. Por conta própria devo acolher que enquanto outros linguajares portugueses são mais próximos dos animais, o português do Brasil já é mais humanizado, como isso foi obtido ? Num congresso de língua e linguagem em 1938 Roquete Pinto atribuí à fome algumas características da linguagem no Brasil. Por meu turno a isso junto a hipótese de que a docilidade da fala esta ligada ao senhorialismo que exige respeito à autoridade e tem sabido obte-lo na chibata, tortura e morte. Claro, não é só isso, é mais e pior.
Com o acima quero lembrar também outros critérios espirituais que os europeus usam para dividir quem é e quem não é. No filme italiano O Belo Antonio de uma personagem se diz que ela dança como uma negra. Um insuspeito Jean Paul Sartre em seu livro O Muro apresenta-nos uma personagem que ele relata ter uma sensualidade e sensibilidade próprias de negros. Posso ouvir as vozes de alto e denso conhecimento das áreas e reverberando desprezo ao falar, “ah! Mas isso é arte, aquilo é filosofia”. Também por isso então recordemos os pieds noirs, brancos na França e aos quais ia dizendo que eram franceses, mas havendo polêmica quanto a isso, prefiro escrever que são ex-colonos na Argélia, de origem em território europeu. Quando da independência desta última eles voltaram para a Franca embora sob o nome e tratamento de pés negros. Como isso é briga de europeu, portanto alta cultura, gente que anda com os pés não conta; nessa polemica o historiador inglês Eric Hobsbawm nos informa que na realidade os pés negros são espanhóis.
Existe no momento algo que é colocado como se esse algo estivesse sendo discutido, mas na realidade é posto para sermos apenas concordantes-do bem ou discordantes-do mal. Já nos termos, como um inconsciente, já está posto : cum cordis , com o coração, escolha irracional, concordar. É da própria natureza dos bichos o Bem ser irracional. Assim sobre esse algo, sermos contra ou a favor de cotas para negros na universidade, no que seria debate, torna-se apenas embate ideológico, e ideologia sabemos que é falsificação do real. Resulta então na falsificação da representação que é falsa. As condições de possibilidade de uma farsa estão dadas, precisa-se de atores. As conseqüências começam apenas jorrar em cascatas, pois, segundo a mídia, estão surgindo pretos feitos na Paraguay, se sofisticarem o contrabando, teremos o Uruguai; mas com o risco de serem como o fingidor que finge a dor que deveras tem, ou seja, o individuo ser negro e não saber, ou de outros se abalançarem como brancos e terem o risco de viver : “ você é branco lá p’ra suas nega, aqui não violão”. Estas últimas linhas poderiam ter sido baseadas em um político atual de grande eleitorado cativado, o qual talvez sofra da injustiça de ser representado, em charges de seus detratores, como tendo um carão beiçudo com nariz grande e esparramado. A mim não cabe a peritagem de negritudes ou negrices, mas sem ironias cabe o registro de que esse homem tem origens nas tribos da Síria-Libano, ao que sei.
Em um programa de TV para jovens embatia-se sobre cotas. O animador de nome possivelmente na Europa central, no auditório é provável que houvesse fenotipicamente para mais de 90% de jovens que cairiam na lei do 1/8, por serem 9/8, o curioso é que todos eles se referiam aos negros como “eles”, parafraseando a frase “o inferno” são os outros”, negro é sempre o Outro. Nesse programa emergiu o trágico, o hilario e o irônico, uma das misturas das três foi um rapaz que sendo “branco”, tinha um irmão de sangue, negro ao que me lembre cotista, ele não. O que se ressaltou foi que ninguém tinha muito a dizer ou mesmo falar, quando muito geguejava-se algumas coisas para sustentar o contra ou a favor prévios. Havia toda uma incapacidade de designar, dar conteúdos possiveis, se perguntar o por que agora, etc., enfim falar, pensar, dizer o que é isso e suas virtualidades.
Há um truísmo que se usa como argumento : o negro foi escravo. Como se a verdade se esgotasse ai. Ora quem viu e não apenas assistiu ao “A Vida é Bela” de Roberto Begnini e/ou o “ 1900” de Bernardo Bertolucci, viu trabalho compulsório imposto a brancos por brancos, a europeus por europeus; o não ingênuo veria lobo comendo lobo. Caso sirva para alguma coisa fica também o registro de que escravos começaram deixar de ser escravos na Europa em 1803, na Dinamarca e não eram negros. O que estou procurando fundamentar é que no Brasil muitos poderiam reivindicar cotas por escravidão muito recente, bem posterior a 1888, ou por datas anteriores e próximas a isso. Todavia um outro argumento factual é o da origem, ~a qual agora procura se firmar um termo importado, afro-descendente, no bojo de toda uma política de hegemonia política pela política cultural, política essa da potencia hegemônica do “ocidente” É verdade que no Brasil fala-se frequentemente das origens, isto em vários sentidos e usos, sendo o principal que observo é o de justificar, abstrata e erroneamente, alguma característica psicológica “negativa”, e para superiormente na mesma toada se diferenciar de outros brasileiros. À origem, como comentário, perguntemos, qual a origem de um jogador do S. Paulo Futebol Clube de cor amarelada e com nome alemão de camponês : BAUER ? O que a resposta consistentemente poderá significar ?. Também da mesma cor e cabelos duros e ralos, temos italianíssimos nomes no futebol, Rossini, Tardelli, …E ainda espanhóis Diegos.Há tempos o presidente da associação de favelas da cidade de S, Paulo pertencia ao PC do B e o sobrenome era italiano. Qual é a origem dessas pessoas ? Já estão produzindo alemães, italianos e espanhóis no Paraguai ? Ainda se impõe perguntar como distinguir quem é negro da costa e quem é negro da terra? Hoje, para os investidores, é vital saber qual a dimensão real do mercado AFRO e o que é isso.
Sobre essa questão toda do Branco compensa ver e meditar o filme REVELAÇÕES com Nikole Kidman e por ironia ou não com o ator inglês Anthony Hopkins. Ajunto aqui o que ia deixando na noite envolvente, os primeiros europeus “brancos”(?) que realizaram aqui trabalho compulsório são conhecidos como “degredados”
Quiseram fazer a árvore genealógica do Presidente Getulio Vargas, este na recusa disse que no Brasil todos tem um pé na senzala. O Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou-se pardo, pelas costas isto lhe custou ser chamado de “mulatinho”. Há anos em um congresso internacional de negros na PUC-SP o hoje Presidente Lula não causou espanto entre negros brasileiros ali presentes, mas foi alvo de reservas dos estrangeiros. As reservas foram por um aparente detalhe de linguagem, ele apesar de suas falas recheadas de jargões coloquiais, se referia aos presentes como “voceis” , onde na opinião deles caberia um nós. É no mandato deste último presidente que se imita o embate político de guerra entre culturas, e entre grupos culturais, proposto pelo teórico político norte-americano Samuel Hutington. Será que cabem as dúvidas sobre se , à falta de imaginação, está-se imitando uma política de americanos para americanos, ou se está obedecendo?
Para não ficar apenas no enleio “critico” devo dizer que o quesito cor pode funcionar como barragem para pensar a hipótese de que em quinhentos e cinco anos (505) de ordem escravista no Brasil formou-se e vige uma alma de escravo .(1500-2005). Barragem de nos perguntarmos se o “jeitinho brasileiro” não é apenas mais uma expressão do escravo ladino. Barra sentirmos, vermos e termos consciência de que a Ordem é Justa, bem como a alma também, pois é distribuída com Justiça segundo as necessidades de cada um para a Ordem. Assim dentro e por causa da Ordem, novos diligentes e dedicados contingentes devem ser cotados, como sempre, para os níveis superiores da Ordem, quando ordem e o progresso o exige, e isto é um bem e tem sido um bem; contudo não deixo de ter presente que, tem sempre havido escravos do eito e escravos na casa grande e que a diferença entre os dois tem sido um belo casal : o Bordado e a Ilusão.
Nomeemos aqui correta e adequadamente uns trabalhadores compulsórios que estão nas nossas “Origens”, que nas escolas da nossa (de-?) formação dizem que aqui ficaram, foram muito úteis e são chamados de os “degredados.”
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