A Justa Arte da Intolerância

Tolerância vem do Latim Tolerare que significa “aguentar”, é a capacidade de suportar situações com seus respectivos pesos, seja uma dor física e/ou emocional, inclusive podendo ser provocadas pelo viver de um casamento ruim; do convívio com pessoas cujas características não são agradáveis; da falta de prazeres devido à condição financeira da época; do assistir alguém querido doente sem poder fazer muito; das trombadas circunstancias e às vezes injustas e inerentes à vida; dentre tantos outros contextos.
Comumente a tolerância é vista como uma virtude, como, por exemplo, tolerar uma frustração em consequência da percepção de uma expectativa inadequada e, talvez, até desumana para com o outro, em outras palavras e embora questionável, do “erro” do outro, quando este fez ou deixou de fazer o que gostaria, o que pensa como sendo o certo e/ou por já ter feito o mesmo no passado; ou tolerar uma época de muita pujança e parcimônia para, depois, poder desfrutar dos frutos tranquilamente.
Entretanto, até que ponto ser tolerante é estimável? Quão virtuoso e justo é, seja para si e/ou outro, tolerar um casamento ruim? Ou então, um pai aguentar à falta de liberdade e o aumento de conflitos familiares devido aos filhos, já crescidos, morando na mesma casa com os respectivos agregados e todos sendo beneficiados a custas desse pai? Quão justo é uma mãe tolerar à falta de gratidão dos filhos sendo constantemente não reconhecida pelo que faz e cobrada quando deixa de fazer? E o namorado suportar as assíduas agressividades da namorada para com ele? Tolerar um cenário cuja condição independe do indivíduo é necessário assim como buscar por alternativas quando há capacidade no momento.
Aquele que tolera tudo ou demais, além de atribuir, mesmo que injustamente, a uma qualidade nobre pela valorização de fortaleza ao aguentar tudo o que se tolera, está na realidade tentando evitar o contato com uma possível fonte de dor; embora em ambos os casos haverá sofrimento, ou seja, suportar as puladas de cerca do marido sem ser coerente às leis estabelecidas pelo casal ou as constantes agressões da esposa, distancia-se dos respectivos efeitos comuns e dolorosos à separação; em contrapartida mantém-se, diariamente, pequenas e médias dores pela convivência, ocasionando, paulatinamente, a uma existência insípida, além da possibilidade de outras lesões emocionais. Neste caso, não é incomum pessoas arrumarem subterfúgios por meio de distrações com a finalidade de não pensarem, de fato, naquilo que as incomoda e poder aguentar o real presente, frequentemente somado ao perigoso ingrediente da esperança de um futuro melhor, o qual pode se concretizar ou não.
Saber estabelecer o nível de tolerabilidade para cada situação da vida está longe de ser algo simples, embora essencial tanto para o próprio respeito quanto a um saudável convívio social; todavia, é importante salientar que não há a resposta certa, apenas a possibilidade de pensar na qualidade do viver de forma rigorosa e lúcida acerca dos inexoráveis efeitos, independentemente de qual caminho percorrer.
Bruna Lavoura
Psicóloga Clínica