Medos comuns da morte e possíveis superações


Situação 1:

Alguns sintomas comuns de gripe, porém em época de pandemia da COVID-19, surgem na mãe pouco antes do almoço de domingo. Só está ela e a filha. À medida que sentam à mesa com um bom vinho, uma barriga de porco assada e algumas outras iguarias, eis que a mãe, com os olhos cheios d’água diz: 

     – Já enfrentei um câncer, se eu tiver qualquer outra doença mais séria hoje, não sobreviverei.

     A filha escuta e pergunta sobre o que mais dói em saber que poderá morrer…

     A mãe responde:

– A saudade dos meus filhos e o sofrimento que poderão ter.

Eis que a filha comenta:

– Mas quando você morrer, não terá matéria orgânica para sentir isso… nem para pensar sobre… não poderá se preocupar e nem se inebriar…

A mãe:

– Isso para você, mas não para mim. Eu acredito que estarei de alguma forma, não sei qual, mas estarei; só não poderei conversar com vocês…

A filha escuta e questiona se, ao pensar dessa forma, não estaria fazendo mais mal do que bem; a mãe não concorda e diz que se pensar assim, de nada valeria…

Comentários:

Pensar que estará perdendo os novos caminhos dos filhos, seja de dificuldades e/ou conquistas, bem como a incapacidade de cuidar das respectivas dores, é comum em alguns pais; entretanto, um sofrimento que nunca concretizar-se-á pela falta de funcionamento orgânico que estimularia todos os pensamentos e sentimentos.

O que poderá fazer, enquanto vivo, é educá-los para viverem bem, inclusive para lidarem bem com o fim daqueles que amam.

Há diversas ideias sobre como enfrentar à nossa finitude e/ou de quem amamos; apenas tomar cuidado para que tais ideias não sejam mais maléficas do que benéficas.

Aprender a discernir o que nos faz bem do que achamos que nos faz bem é uma ótima forma de não descuidarmos do real por doces ilusões.

E sim, às vezes escaparemos de um mal, mas algum dia, indubitavelmente, outro acontecerá; aprendamos a viver bem até lá, se dispondo da melhor atitude possível quando isso acontecer.

Situação 2:

 Jovem tem dificuldade para dormir toda vez que pensa sobre seu fim; diz que, um dia, não existirá mais seus pensamentos, nem confortos, nem ele mesmo, e, portanto, tudo o que fora vivido não terá mais sentido.

Comentários:

Com medo de morrer por considerar nada ser eterno e, portanto, sem sentido, poderá fomentar, de fato, uma vida mal vivida. É preciso aprender a viver bem mesmo na finitude, aliás, essa é a única certeza que temos; então, por que não arquitetar a vida de tal forma que, quando chegar o fim, teremos a tranquilidade que fora bem vivida e que, em algum momento, existiu alguém com certos pensamentos e posturas que poderão servir de inspiração para outras vidas?

Situação 3:

Poeta, bastante vaidoso e fóbico em relação à própria morte, diz em meio às suas poesias, mais ou menos assim: “quero morrer, partindo, mas ficando nos genes, nascidos de idílios, que não me deixarão morrer, através da poesia”.

Comentários:

De fato, alguns homens fazem a diferença, mesmo após à sua morte, tanto por efeitos bons ou ruins; preocupar com sua utilidade em vida e seu legado, pensando em possíveis formas de alcance é tão importante quanto aprender que, às vezes, apenas seremos valorizados e lembrados por pequenas e/ou médias coisas, e por alguns momentos.

Mais vale o esforço de uma vida bem vivida do que negligenciá-la com perturbações inférteis.

Situação 4:

 Jovem é diariamente exposta a altas doses de ideias nocivas frente a diversas áreas da vida. Ao observar grande tolerância nas posturas da família a fartas situações, em grande parte motivadas por medos, questiona-se quão lúcidos os são em relação àquilo que toleram. Contudo, da mesma forma que os questiona, indaga a si sobre a qualidade da sua lucidez perante às suas posturas frente à vida; e, na eventualidade de estar cometendo os mesmos erros, essencialmente sem os perceber, preocupa-se com a condição do seu viver, consequentemente, com o seu próprio fim.

Comentários:

A intolerância na vida pode ser tão virtuosa quanto a tolerância; aprender através de experiências comuns poder-se-á facilitar mudanças no comportamento dentro daquilo que não se espera para a vida, embora, seja necessário certo esforço para saber o que, de fato, lhe agrada ou desagrada, e, a partir daí, impelir o necessário para tal mudança.

Situação 5:

Mulher bastante religiosa foi abusada sexualmente pelo pai durante sua infância e adolescência. O pai adoece na velhice, tendo a filha como sua cuidadora. Logo após a morte do pai, mulher vira para a colega e diz:

     – Por muito tempo senti raiva do meu pai por ele ter feito o que fez, mas fico tranquila em saber que cumpri com meu dever: ter cuidado bem dele até o fim. Assim, fico garantida em ir para um lugar bom quando eu morrer.

Comentários:

É característico de Religiões inocular grandes medos nas pessoas se não cumprirem com as suas morais. Por medo de morrer e ter que enfrentar um lugar ruim, mesmo que imaginário, deixa-se de viver livremente e quiçá, felizmente, o real.

Bruna Lavoura
Psicóloga Clínica