Felicidade
Situação: Jovem cujo lema é “prefiro viver 10 anos a 1000 do que 1000 anos a 10” compreenda-se: máximo de prazer com o mínimo de dor, da forma mais imediata possível. Viver segundo o próprio instinto.
Jovem: A vida deve ser uma festa.
Pergunta: O que você entende por festa?
J: Realizar plenamente os meus desejos.
P: Quais as causas para ter os seus desejos, assim como possíveis efeitos de realizá-los? Por que esses e não outros?
J: Não me importa. Sentimento é uma coisa, pensamento é outra. Não quero racionalizar quem sou, é um intelectualismo desnecessário.
P: Poucas coisas nascemos gostando, alguns tipos de toques, sons, cheiros, intensidades de luz e gustações, todas as outras aprendemos a gostar e então a desejar. Você diz ser o sentido da sua vida os seus desejos, mas não percebe as implicações de os atingir, além de não questioná-los e nem tampouco refletir se vale viver segundo eles. Assim, o sentido da sua vida é viver os seus gostos aprendidos de maneiras não percebidas, logo não aceitas.
Buscas o seu futuro de acordo com um passado não livre, torna-te um escravo que clama ser livre e assim festeja. Seus desejos tendem a serem baseados em efêmeras atividades, se assim for, a sua festa será regada a uma ansiedade em busca de algo que constantemente se dissolve, seus relacionamentos tenderão a serem intensos, rápidos e pouco encorpados, provavelmente terás uma sensação de vazio pouco compreendido, além de possivelmente solidão, pois muito do que alimenta vem com esforço, ou seja, um certo nível e forma de dor. Falas a língua de um desenfreado viver desejos, da dependência de prazer e de dor.
Por que não se libertar de si para então viver na sua livre festa, ou não.
Por felicidade compreenda-se: (1) sentir prazer ao estar contato com algo ou alguém que goste ou (2) ter prazer ao ter atividades produtoras de bons frutos .
A primeira definição tem como moral o próprio prazer, pois nela consiste apenas esse como finalidade nesse mesmo, a segunda é permeada por uma moral, implícita no termo “bons frutos”. Se bom é referido a uma valoração das posturas da atividade de alguém segundo certos critérios de valores, a primeira pergunta a ter seria qual critério, e por quê esse e não outros para afirmar o que são bons frutos?
Viver no máximo do prazer com o mínimo de dor da forma mais imediata possível, essa é a moral do hedonismo, como também do instinto e da sociedade atual, cuja bandeira hasteada é exatamente essa, no momento em que declama de forma exaltada entre lágrimas: “tenha coragem de seguir o seu coração meu filho!”, “sem sonhar não há vida”, “siga os seus sonhos sem questioná-los, apenas aceite-os, eles são a sua essência” e tantos outros jargões que são basicamente resumidos à frase inicial. Rara a exposição: “tenha a coragem de se perguntar pelo quê ser feliz e então dessa forma viva”, “ter prazer com quais atividades?”, “prazer pelo prazer?”, em outras palavras, com o quê ser feliz? Não mais a felicidade pela felicidade.
Numa sociedade onde essas idéias são “pregadas”, é promovida a morte de algumas religiões, pois essas propõem uma moral “acima” do prazer e dor, embora seu maior chamariz seja na sua maioria exatamente a venda de uma cura para dores, uma vida eterna, um contato com o “pai” e felicidade após a morte, para sempre .
Dessa forma posto, é buscada nenhuma regra para o viver senão as perguntas ordenadoras de como viver sejam essas de origem no tido como divino ou enraizado na mídia de uma maneira geral.
Portanto, as perguntas regedoras da reflexão se referem ao que é felicidade, suas implicações, suas causas, seus aspectos orgânicos e seus possíveis erros. Se após esses raciocínios, a resposta for o hedonismo, a escolha terá sido livre e não absorvida pelos meios de comunicação. Assim, a pergunta é: desejar o quê? Ao invés do desejo pelo desejo.
Alteração da palavra latina Félix no Dicionário Latino-Português de Torrinha.
Digo raro para evitar a possibilidade de uma imprecisa colocação, mas poderia ser dito que nunca vi, embora “saiba” da existência, pois se pensei é apenas razoável que outro também tenha assim feito.
Bayard Galvão
Deixe um comentário